terça-feira, 30 de dezembro de 2014

EDIÇÃO DE RUA - sem mudanças com relação a segunda edição, apenas com projeto gráfico novo, preço muito menor e edição do próprio autor.

domingo, 23 de fevereiro de 2014

O TALENTOSO MR. RONEY: os contos de «O estouro da artéria de um cavalo húngaro (2a. edição)»

Por Alfredo Monte

(uma versão da resenha abaixo foi publicada originalmente em A TRIBUNA de Santos, em 18 de fevereiro de 2014)

No final de 2012, Thiago Roney publicou seu primeiro livro, O estouro da artéria de um cavalo húngaro, com 12 contos, a maioria dos quais transbordantes de energia e possibilidades (que faziam entrever um talento bruto), mas apresentando sérios desleixos na linguagem, além da imaturidade habitual. Após absorver críticas e sugestões de todos os lados (VER AQUI NO BLOG:http://armonte.wordpress.com/2013/08/14/notas-sobre-um-jovem-contista-o-estouro-da-arteria-de-um-cavalo-hungaro-de-thiago-roney/), o jovem autor de Manaus não se desencorajou ou “deixou para lá”. Numa atitude ousada e peculiar, acaba de lançar uma segunda versão, totalmente reformulada, provando sua disposição de quem veio para ficar.

Os textos mais fracos, Óculos de vô Tico439 e O pintor foram eliminados e substituídos (ainda são 12), outros tiveram seus títulos alterados, além de sofrer uma metamorfose estilístico-narrativa que comprova a evolução do escritor (assim, o problemático Vitamina C tornou-se Domingo, o quintal de enterrar sonhosAfetuosos teoremas de Martín, que era bem insatisfatório, transformou-se num dos bons momentos do conjunto atual, O afetuoso teorema de Martín); mesmo os que já se destacavam num primeiro formato passaram por revisão e ganharam com isso. Ainda há descuidos, reparos a fazer (pontuais, não com relação ao livro), mesmo assim a experiência de (re)leitura foi estimulante e proveitosa, e hoje eu não sugeriria a supressão de nenhum conto.

O universo de Thiago Roney, ainda que ele se permita, como tantos de sua geração, e para fastio do leitor calejado, usar a própria literatura como assunto (como no conto-título ou em O caralho-de-asas chamado solidão, versão radicalmente melhorada de O jogo ou como cortar uma faca com outra faca[1]), é extremamente politizado, felizmente não por meio de discursos proselitistas disfarçados, e sim mostrando nas próprias situações ficcionais como as relações familiares, amorosas e profissionais encontram-se corrompidas e esgarçadas pela onipotência do “mercado de trabalho” (fora o consumo, claro), que se tornou uma espécie de muro no nosso horizonte.
Por essa razão, a família (inclusive a mãe-narradora) pressiona Mânfrede, no emblemático conto de abertura, O caçador de made in´s (cujo final é um achado), para conseguir de qualquer jeito um emprego, enquanto ele se dedica a atormentar a todos com a procedência dos produtos usados por todos: “Em cada visita de um familiar, uma denúncia diferente: a camisa do tio—made  inHaiti—fabricada com superexploração salarial dos comedores do barro…o remédio do avô—made in África—fabricado por trabalhadores explorados em todos os níveis humanos…”.

Particularmente cruel e pungente (não constava da versão original e para mim foi uma grata surpresa) é O dia em que eu quis afogar o mundo no rio Negro, no qual um menino de periferia testemunha o pai—enquanto a mãe está totalmente deslumbrada com a tv LCD que chega na casa—batendo na sola do pé machucado com um alicate: “Meu Deus, a dor que o papai sentia era tão forte que ele estava batendo nela”. Não é possível revelar o resto da história, entretanto o uso da percepção da criança para captar as relações de consumo e trabalho, dentro do próprio âmbito doméstico,  faz desses um dos contos mais expressivos e fortes dos últimos anos.

Mesmo os “vencedores” (sob a perspectiva do mercado) como o “cirurgião ortopedista renomado” gay, filho de um peixeiro que o desprezava, narrador do conto-fecho, O dia em que comi como o faz um rico, mostra em seu relato maníaco (para não falar das atitudes) o custo que se exige de cada um desse atrelamento e domesticação ao mundo do “fim da história”[2], já que o socialismo “fracassou” e um capitalismo supostamente democrático parece ser a única opção disponível.

Os personagens masculinos de Roney, como aqueles que aparecem em estranhos conflitos (às vezes chegam às vias de fato) em Domingo, o quintal de enterrar sonhos, ou aqueles estimulados pela mãe a experiências lúdicas um tanto quanto fora dos padrões sociais (em O coágulo emoldurado de mamãe, outra bem-vinda inclusão à coletânea), parecem uma mescla de cronópios (a parte da humanidade, segundo Julio Cortázar, incapaz de lidar com o lado prático e contingente da existência e suas convenções sociais) com black blocs.

No mais, a releitura confirma a qualidade de textos como O gozo sem vida de Joana, no qual ele mostra que o realismo fantástico ainda pode ser muito bem utilizado, talvez porque certos aspectos da realidade sejam difíceis de acreditar mesmo; e A doença do mundo, com suas referências a Stanley Kubrick, que servem de moldura irônica ao relato de como a contínua atitude de desânimo frente ao cotidiano, por parte da amada do narrador, é “curada” por uma singular (mas tonificante) bebida[3].

Imaginativo, denso, plural em suas inquietações, O estouro da artéria de um cavalo húngaro não precisa dos efeitos maneiristas e posudos anunciados pelo narrador, um pipoqueiro candidato a escritor, do irônico conto-título (“Minha literatura será o estouro da artéria de um cavalo húngaro jorrando sangue com vodca na cara dos meus contemporâneos”). Com seu desconcertante e vigoroso frescor (tomara que o pai do «cirurgião ortopedista renomado» não pegue no meu pé pelo uso desse «frescor») , desarma até o mais desconfiado dos críticos.

estouro da artéria artigo
Í
NDICE  COMPARATIVO DAS DUAS VERSÕES
*(a de 2012)  -(a de 2013)
*A doença do mundo
- O caçador de made in´s
*Afetuosos teoremas de Martín
- O afetuoso teorema de Martín
*O caçador de made in´s
- O tabelião “dela”
*O dia que comi como o faz um rico
-Domingo, o quintal de enterrar sonhos (antigo Vitamina C, reformulado)
*O estouro da artéria de um cavalo húngaro
-O coágulo emoldurado de mamãe (ausente na 1ª. edição)
*O gozo sem vida de Joana
-O dia em que eu quis afogar o mundo no rio Negro (ausente da 1ª. edição)
*Óculos de vô Tico (ausente da 2ª. edição)
-A caixa de sapatos (ausente da 1ª. edição)
*O tabelião dela
-O caralho-de-asas chamado solidão (antigo O jogo ou como cortar uma faca com outra faca, reformulado)
*439 (ausente na 2ª. edição)
- O estouro da artéria de um cavalo húngaro
*Vitamina C
-O gozo sem vida de Joana
*O pintor (ausente na 2ª. edição)
-A doença do mundo
*O jogo ou como cortar uma faca com outra faca
- O dia em que comi como o faz um rico

TRECHO SELECIONADO
Para dar uma amostra ao leitor das reescritura de O estouro da artéria de um cavalo húngaro, escolhi um trecho (que aparece em itálico) do conto chamado, na primeira edição, de Afetuosos teoremas de Martín, e um trecho (em negrito) de O afetuoso teorema de Martín, da segunda edição, no qual a musculatura narrativa é mais evidente, ao contrário do tom vago e difuso da versão anterior (há alguns reparos que podem ser feitos, mas o aperfeiçoamento é visível):

“A sombra recolhe a edificação do prédio hoje em ruínas. Se ele estivesse aqui, agora, calcularia todos os sentimentos petrificados ainda no ar. Graças aos seus conhecimentos virtuosos sobre os ângulos hiperbólicos. Lembro quando ficava no canto esquerdo da sala de jantar, vendo números na fala da teatralidade familiar. Zombávamos de suas precisões psicológicas.
__ Qual a diferença entre os números e as letras?—perguntávamos, alimentando mais o seu interesse pelo mistério dos significantes.
__ Sou uma espécie de bluetooth.Uso números para captar afetividade e mensurar falsificação—concluía, soberbamente.
    Conseguia ver o seu gosto pelo exagero. Quando inflamávamos mais as desconfianças de sua estranheza, ficava cristalino. Já o pai não compreendia seus gostos. Principalmente sua obsessão pelo quadro A origem do mundo, de Courbet. Com referência a este último, sempre recorria aoeterno retorno de Nietzsche ou ao buraco negro da astrofísica para teorizar a vida. Numa quarta-feira de cinzas, a mãe o pegou masturbando-se lendo A divina comédia de Dante Alighieri. Assombro geral no seio da família…”

“A memória é uma matemática dos diabos. Por acaso entrei numa rua labiríntica tentando fugir do trânsito e acabei encontrando a nossa antiga casa. A sombra do tempo começou a recolher lembranças a partir da imagem do nosso prédio em ruína. Martín é a figura mais forte na memória. Como estaria hoje o nosso peculiar Poincaré? Se ele estivesse aqui, agora, certamente calcularia todos os sentimentos petrificados ainda no ar, em cada canto da casa, em cada espaço no tempo. Muito melhor do que faço nesse instante. Quero dizer: melhor não matematicamente diverso, pois víamos a realidade por uma espécie de lente euclidiana. Já Martín enxergava-a com outra espécie de geometria. Ainda hoje tento compreendê-lo. Mas até onde isso poderia justificar aqueles seus teoremas? Precisava ele fazer aquilo?
   Martín foi o cara mais inteligente que eu já conheci na vida. Era um gênio da matemática. No entanto, com o tempo, acabou se tornando um geômetra das estranhezas. Lembro-me de ver meu irmão em silêncio no canto esquerdo da sala de jantar na ocasião em que afirmávamos o valor inestimável de alguém baseado no cargo que exercia em uma grande empresa, ou quando discutíamos sobre o carro do ano e a necessidade de obtê-lo, ou ainda, no momento em que sugeríamos que ele fosse lecionar na Universidade de melhor salário. Martín apenas sorria como quem ri das peripécias de várias crianças. Certamente, vislumbrando números na fala da teatralidade familiar. A preocupação primordial de Martín era com os seus teoremas e com os problemas históricos da matemática, como a conjectura de Poincaré, na qual meu irmão trabalhou extensamente por toda a sua vida.
     (…)
  Não sabíamos se ele fazia tudo aquilo somente para chamar a atenção ou se queria irritar propositalmente toda a família. Além de estranho, seus feitos eram exagerados. Não compreendíamos, por exemplo, sua obsessão pelo quadro A origem do mundo, de Courbet, o qual Martín ficava horas da noite observando e teorizando sobre a vida, recorrendo para isso ao eterno retorno, de Nietzsche, ou ao buraco negro da astrofísica. Mesmo assim, conseguíamos ficar complacentes com suas loucuras, já que, de tempos em tempos, elas tinham seus momentos de trégua. Por exemplo, quando Martín se retirava para seu mundo à procura da solução para a conjectura de Poincaré. A complacência, no entanto, esgotou-se no dia do banheiro. Numa Quarta-feira de Cinzas,a mãe o pegou masturbando-se com o que parecia ser a imagem da Virgem Maria. Assombro geral no seio da família…”


[1] Cujo final delicioso faria dele o candidato natural a encerrar a coletânea (como fazia na versão anterior, onde havia uma frase que sobrava; suprimida, o fecho ficou perfeito).
[2]Um trecho do conto: “…fiquei alguns anos sem poder comer o peixe de minha região. Situação angustiante. Voltei com a imensa vontade de comê-lo como faz o rico—sem espinha. Um plano de toda uma vida. Porém, Pedro não gostava assim. Preferia o peixe ticado. Eu havia telefonado, um dia antes, pedindo para preparar um peixe sem espinhas. Nós dois celebraríamos meu doutoramento e nosso aniversário. No entanto, quando cheguei a casa, recebi duas notícias desastrosas: só havia peixe ticado e Pedro tinha deixado de ser peixeiro…”
[3] Não comentei O tabelião “dela” e  A caixa de sapatos, mas não desgosto de nenhum dos dois. Já comentei alguns bons achados do primeiro em outro post e o segundo se insere na linha da ficção que versa sobre candidatos a artistas e o huis clos que essa “vida alternativa” às vezes acarreta.
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Alfredo Monte é doutor em teoria literária e literatura comparada pela USP, professor, crítico literário do jornal A tribuna, de Santos -SP, e editor do blog Monte de Leituras.

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Nota sobre o lançamento da nova edição no jornal A Critíca, Manaus - Am, do dia 24/01/2014


Algumas fotos do lançamento da nova edição - 24/01/2014















Convite


2.ª Edição


O estouro da artéria de um cavalo húngaro
RONEY, Thiago
2.ª Edição - Revista pelo autor
Dezembro de 2013
ISBN: 978-85-8273-522-0
Editora Multifoco
79 páginas 

Contos:

O caçador de made in's
O afetuoso teorema de Martín
O tabelião dela
Domingo, o quintal de enterrar sonhos
O coágulo emoldurado de mamãe
O dia em que eu quis afogar o mundo no rio Negro
A caixa de sapatos
O caralho-de-asas chamado solidão
O estouro da artéria de um cavalo húngaro
O gozo sem vida de Joana
A doença do mundo
O dia em que comi como o faz um rico

1.ª Edição


O estouro da artéria de um cavalo húngaro
RONEY, Thiago
1.ª Edição
Novembro de 2012
ISBN: 978-85-66226-57-7
Editora Multifoco
70 páginas

Contos na ordem:

A doença do mundo
Afetuosos teoremas de Martín
O caçador de made in's
O dia que comi como o faz um rico
O estouro da artéria de um cavalo húngaro
O gozo sem vida de Joana
Óculos de vô Tico
O tabelião dela
439
Vitamina C
O Pintor
O jogo ou como cortar uma faca com outra faca


quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Notas sobre um jovem contista: O ESTOURO DA ARTÉRIA DE UM CAVALO HÚNGARO, de Thiago Roney

Por Alfredo Monte



“Minha literatura será o estouro da artéria de um cavalo húngaro jorrando sangue com vodca na cara dos meus contemporâneos”.

Este é o trecho que justifica porque O estouro da artéria de um cavalo húngaro é o texto-título da coletânea de estreia de Thiago Roney.

Antes de abordar o referido conto, comentarei outros (são 12 ao todo), mas quero chamar a atenção para a presença da violência estilizada (o sangue com vodca), a referência “exótica” (o cavalo húngaro) e a preocupação de tematizar a própria literatura, típicas (é quase uma obsessão, quando não se trata de simples modismo) nos escritores das últimas safras.
O projeto literário de Roney se mostra bem mais interessante do que essa vinculação geracional, ainda que a realização textual muitas vezes deixe a desejar. Para delineá-lo minimamente, efetuarei uma operação arbitrária,  dividindo o livro em três blocos de quatro.
O jovem autor de Manaus (nascido em 1985) deve ter percebido, claro, que os quatro primeiros representavam uma boa introdução à sua produção até aqui (o livro foi editado no finalzinho do ano passado), e a leitura em conjunto reforça um vínculo mais imediato entre três deles (o vínculo com o conto de abertura, cujo título já é um achado, A doença do mundo não é tão óbvio, mas é forte), apesar da disparidade dos resultados: Afetuosos teoremas de Martín, O caçador de made in´s, O dia que comi como o faz um rico. Neles, Roney se mostra um dos representantes promissores de um novo vigor do veio mais expressionista e focado no social em nossa jovem ficção, para além daquela tematização da literatura e da vida literária, e todos seus subprodutos já desgastados (a metalinguagem, o experimentalismo gráfico, a morte do Sujeito, a suspeição quanto à legitimidade do Narrador, etc etc etc), e coloca em foco um dos temas mais candentes da contemporaneidade: a submissão das relações familiares à lógica do mercado, os ritos de passagem entre gerações recodificados como a “inserção do jovem no mercado de trabalho”.
Assim, o caçador de made in´s se enforca, desgostoso com a possibilidade de que viver tenha como epitáfio (como vira num cemitério) “laborum meta”; assim, o conflito  com o pai, calcado na (nunca ultrapassada, infelizmente) questão sexual  do narrador (gay) de O dia que comi como o faz um rico, não se resolve pelo descompasso profissional entre as gerações (o pai, peixeiro; o filho, médico com doutorado nos EUA, embora se apaixone e tenha um relacionamento com um…peixeiro); assim, emAfetuosos teoremas de Martín (o leitor deve ter notado o capricho de Roney com os títulos), as figuras familiares se tornam presenças fantasmáticas, sombras, axiomas miasmáticos.
Pena que o resultado textual nem sempre siga esse vigor de ideias, de percepção do mundo atual.Afetuosos teoremas de Martín, principalmente, precisaria de uma revisão radical.[1]
Quanto ao conto A doença do mundo, ele me parece corresponder ao Zeitgeist convocado pelos outros três, essa interpenetração tão contemporânea de obrigação de produtividade (e até a alegria e a diversão se tornam uma espécie de produtividade neste nosso mundo) e de um desânimo corrosivo. Gostei do fato de que neste conto as referências culturais (no caso, especificamenteLaranja Mecânica) se resolvem não como referência apenas, mas dentro do imaginário e movimento do próprio texto (ainda mais sabendo que Roney pode se valer de outros recursos, não apenas dessas referências, como acontece com tantos outros autores jovens). É a história de uma deprimida que começa a tomar uma substância misteriosa e volta a ser uma pessoa “animada”, “produtiva”, para espanto do seu companheiro. Deixo ao leitor descobrir o componente principal desse preparado tão eficiente.
O segundo bloco de quatro, a meu ver, deveria encerrar a coletânea e assim ela ficaria como um registro sólido de um momento da vida de escritor de Thiago Roney. É a ele que pertence o conto-título, cujo contraste do tipo de atividade profissional (pipoqueiro) e de aspiração (escritor) renderia mais, sem frases de efeito (“O amor é um desintegrador da substância coletiva”). De qualquer forma, o relato evolui para uma situação bastante  engraçada, bizarra e interessante, aproveitando como “amada” um ser bastante presente no imaginário da leitura e destino dos livros. Só achei imperdoável e rebarbativa (e, em última instância, mostrando pouca confiança na inteligência e atenção do leitor) a última frase do texto, que destrói todo o efeito construído pelo autor.
Já O gozo sem vida de Joana é, a meu ver, um dos três melhores momentos do livro (junto com A doença do mundo  e O dia que comi como o faz um rico)—e  até poderia encerrá-lo; e prova de que um realismo mágico que não seja apenas “saramandaico” (ou seja, personagens esquisitos, sem nada por trás que justifique essa “esquisitice”) ainda é possível. Temos uma mulher que o marido não satisfaz, um amante tosco, borboletas,  orgasmos… e um belo final, como sempre se diz que um conto deve ter quando constrói passo a passo seu “efeito”. Aqui, vemos que Thiago Roney pode ainda ser imaturo em vários aspectos, mas tem o temperamento e a volúpia do escritor verdadeiro.
Também nesse compasso, O tabelião dela, onde ele procurou ajustar o tom narrativo a um personagem alienado do mundo, e que no entanto filtra para nós a realidade à sua revelia, é quase um personagem de Francisco J. C. Dantas em miniatura (só não convence muito, para um personagem autoproclamado antimoderno, que ele assista a filmes de Lynch ou Tarantino, esses são filmes a que o escritor Thiago Roney assiste, e ele precisa estar atento para esse tipo de interferência das próprias referências).
Já Óculos do vô Tico é uma experiência (inclusive na disposição tipográfica), que pode ser louvável para os rascunhos, esboços, projetos e tentativas, mas que devia ter ficado na gaveta.
O mesmo se pode dizer com narrativas do terceiro bloco, o qual enfraquece muito o conjunto, por conter os textos mais imaturos, mais mal-acabados, e que só estão fazendo número em O estouro da artéria de um cavalo húngaro.
Assim, eu também cortaria sem dó nem piedade 439 (nem tudo o que se escreve deve ser publicado, é uma lição preciosa e sempre desconsiderada), assim como O pintor. Nem vou me deter neles. Já Vitamina C , no qual voltam os miasmas familiares, a presença dos “entes queridos” meio fantasmática e tênue, apesar de me parecer mais uma primeira versão, ainda tentativa, de conto, um esqueleto de texto, uma coisa meio esboçada, em termos de atmosfera é um dos mais interessantes do livro, com várias tensões aflorando, apontadas aqui e ali, de uma forma que se entremeia ao cotidiano familiar (e que o coloca ao lado daqueles do primeiro bloco).  Da maneira como está, dá para gostar do texto, mas creio que poderia ser um baita conto, se fosse mais trabalhado. E a vitamina C do título,que poderia representar um elemento de ironia dissolvente, acaba caindo de paraquedas no final da narrativa.
O último conto,  O Jogo ou Como cortar uma faca com outra faca é muito problemático, principalmente porque para marcar a diferença da “sedução” do escritor, em contraponto à sua figura real insatisfatória e “broxante” (“Mas como pode existir um gênio nas letras, do tipo que  escreve isto (…) E mesmo assim na vida ser um bundão?”), ele coloca trechos do sujeito, e eles são lamentáveis, quase insuportáveis. O texto me lembra as experiências de André de Leones, antes de Terra de Casas vazias, discursos narrativos meio curto-circuitados que não se resolvem muito bem e, ao contrário de A doença do mundo, aqui as referências (no caso, O jogo da amarelinha, de Cortázar) não funcionam muito bem.
Achei genial a frase “Porra, gosto de literatura pra caralho, mas gosto de pica também” (tem outra ótima,  “Deixou meu espírito molhadinho de novo”, lembrando que é o jogo de sedução entre autor e leitor) . E ficou  bacana a girada autorreferencial que “quase” termina o relato e o livro:Quem sabe não conheço o carinha que escreveu O estouro da artéria de um cavalo húngaro”.  Pena que é “quase”, não sei se é necessária a sequência (aliás, uma frase meio desajeitada): “Ah, e lógico que o filhadaputa não me broxe”. O problema central talvez seja a oscilação entre uma possível sátira aos próprios personagens e um possível erotismo de negaças e aproximações.
Contudo, como se pode constatar, temos de ficar de olho em Thiago Roney. Não acho que ele vá nos broxar no futuro.

(escrito especialmente para o blog, em agosto de 2013)

Alfredo Monte é doutor em Teoria Literária e Literatura Comparada pela USP e crítico literário do jornal A tribuna de Santos.

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[1] Mesmo nos outros, há problemas em certas frases mal ajambradas (“a dúvida arfava em minha cabeça”), em adjetivos mal escolhidos (“saltei insólita”), mesmo que se pense na “liberdade criativa”. Mas já apontei para o autor os problemas vocabulares e gramaticais, e eles não vêm ao caso aqui, onde o objetivo é dar uma ideia do livro ao meu leitor.

domingo, 16 de junho de 2013

O ESTOURO DA ARTÉRIA DE UM CAVALO HÚNGARO por Márcio Santana

Há várias formas de se morder a carne das palavras. Há os que mordem com selvageria, bestialmente, e outros tantos com suavidade. Thiago Roney é um tipo de escritor que morde com suavidade. Degusta. E nos faz degustar. Li o seu “O Estouro da artéria de um cavalo húngaro”, em apenas uma noite, enquanto ouvia um tango dos Mutantes. Roney joga bem com as palavras. Sabe como fatiá-las. Pareço ainda ouvir a artéria do eqüino rebentar. O esperma de Úrsula se derramando goela abaixo. Os miolos de Thysanura explodindo. Os afetuosos teoremas de Martin sobre a mensura da estupidez humana. E tudo isso é bom, sinal que a prosa ecoa. Que valida nossas inquietações. Seus contos refletem temas diversos como a complexidade humana. O sinistro que há em cada um de nós. O mistério de nossos significantes. Cada conto de seu livro é um cômodo estranho. Ardiloso. Sofremos efeito dilatadores de suas palavras. O gozo sem vida de Joana, dentre outros, é o meu episódio preferido. Poético. (...) “Naquele momento, do outro lado da cidade dos Manaós, Joana gozava de verdade. Um gozo esplêndido. Cheio de vida. Até José saltou insólito ao vê-la ejacular. Caralho, a mulher goza borboletas...” A vida é mesmo um absurdo. Um quadro mal pintado e belo de Van Gogh. Uma aquarela ilógica. Pular amarelinha com Cortázar. E seguimos degustando da carne bem preparada de Roney. Um maitre frio e sociopata de mente criativa ticando com maestria seu peixe com a perícia das mãos. “As espinhas são ossos do corpo do peixe...” 
Recomendo “O Estouro da artéria de um cavalo húngaro”, do amigo e escritor Thiago Roney. Vem pra mostrar que a literatura local não está mais enraizada ao broxantismo regional e saudosista dos escritores desta terra. Seu livro é sem dúvida, sangue novo jorrando com vodca russa na cara de seus contemporâneos. Um tango de Gardel tocando ao contrário. O leitinho branco e bom de Ursula nos descendo goela abaixo curando as doenças do mundo. Ah, sei lá, leiam! 

O ESTOURO DA ARTÉRIA DE UM CAVALO HÚNGARO, Editora Multifoco, Rio de Janeiro, 2012

Márcio Santana
16.06.2013

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Resenha analítica, por Luiz Carvalho.

           O estouro da artéria de um cavalo húngaro – em 1ª edição - é o título da mais nova joia da literatura amazônida. Quando digo “amazônida”, estou me referindo ao caráter existencialmente intrínseco contido nas letras dos textos que compõem a obra, em suas configurações formais e estilísticas e no perfil literário deste livro de contos do jovem escritor amazonense Thiago Roney.

             O título já carrega em si uma nota “estridente” semanticamente. Quer dizer, dá pena só de imaginar o sofrimento de um belo cavalo húngaro em função do estouro de uma artéria de sua rede venal. Afinal, esta raça equina está registrada entre os animais mais qualificados de quatro patas e entre os mais belos “pedigrees” equinos. 

              Em tamanho dimensionado em 21 (vinte e um) centímetros e disposto em 70 (setenta) páginas, o livro foi lançado no Domingo, dia 25 de novembro, às 17:00 hs, no Cauxi - Espaço Cultural pela Editora Multifoco.

             Composto por um conjunto de contos, o livro goza de uma unidade estilística definida - em epígrafe - pelo Autor mediante a expressão metalinguística “realidade da ficção”. Afinal, em tudo há uma “malha de ficção” que chamamos “realidade”. Há malha de ficção no conto “A doença do mundo”. Principalmente, naquela doença de mundo que havia afetado a mente e a existência de Úrsula. “Desânimo” ou “neurose depressiva”, tanto faz. Ao fim e ao cabo, são apenas nomes diferentes atribuídos por profissionais do diagnóstico para as tais “doenças de mundo”. De fato, não presume o Autor que todos nós talvez sejamos afetados de alguma maneira pela tal “doença de mundo”? Em suma, tudo o que nos distancia - enquanto gente - é a capacidade de incubação da doença de mundo que cada um de nós possui. Todavia, o que nos aproxima é, seguramente, a tendência renitente de recorrer às ilusões a fim de sarar as feridas de nossa alma. Placebo ou líquido semênico, tanto faz. Para aliviar as dores da existência qualquer pílula, qualquer placebo serve. Mesmo que o preço a ser pago seja o de consumir 300 (trezentos) mililitros de sêmen diário. Não foi efetuando religiosamente esta receita que Úrsula curou a sua doença de mundo? Eu, hein! Afinal, tudo isto constitui essa inapelável teia de existência que é encoberta pelas malhas da ficção!
          Há, também, malha de ficção no conto intitulado “Afetuosos teoremas de Martin”. Mesmo nos “farrapos de um prédio em ruína”, há malha de ficção sobre a realidade. A ferramenta que Martin usa para elaborar seus afetuosos teoremas é o cálculo matemático. Nessa malha de ficção que envolve a realidade, o cálculo matemático de Martin mensura até os “sentimentos ainda petrificados no ar”. Afinal, essa malha de ficção é constituída, no limite entre os números e as letras, de “conhecimentos virtuosos sobre os ângulos hiperbólicos”, de “números inscritos na fala da teatralidade familiar” e de “diferenças hiperbólicas e parabólicas entre números e letras”. Em seu afã de elaborar teoremas afetuosos sobre os “farrapos de um prédio em ruína”, Martin usa “números para captar afetividade e mensurar falsificação”. A personagem deste conto procede como se fosse um filósofo da ciência em grande estilo. Nessa intrincada malha de ficção que encobre a realidade, Martin propõe uma conjectura de trabalho em pesquisa teórica pura. Ele que descobrir a “possibilidade de um isomorfismo entre a profunda mensuração da estupidez humana e a extensão infinita do universo”. Ao fim de suas elucubrações, Martin descobre bombasticamente seu afetuoso teorema. Trata-se do “cálculo da profundidade inversa dos sete palmos debaixo do céu”. Em sua fórmula implacável, comparada a uma “espécie de Bluetooth”, a proposição extraída da pesquisa de Martin revela um número metatransfinito derivado de seu cálculo matemático. Eis, então, a expressão de seu afetuoso teorema: “O arquiteto do calvário vai me mandar para o inferno! E sei que o inferno é a sete palmos do chão”.
            Há malha de ficção até nas caçadas mercadológicas de Mânfrede de produtos “made in’s”. A personagem deste conto intitulado “O caçador de made in’s” é extremamente fleumática quando se trata de caçar o “made in” dos produtos. É que Mânfrede, como um pêndulo à biruta, denuncia a superexploração e a enganação dos trabalhadores em todos os níveis. Nesse sentido, a sua denúncia se estende desde a camisa “made in” Haiti que o tio comprou, passando pelo carro “made in” Brasil que o primo havia adquirido, até o remédio “made in” África que o tio consumia. Não obstante, quando se trata de encarar o trabalho nas condições de alienação e espoliação do sistema e das relações de trabalho, ele diria seguramente o seguinte: “Nas condições atuais em que se encontra a divisão do trabalho e a sua remuneração, eu prefiro morrer a me entregar a essa exsudação de minha existência”. Nesse caso, Mânfrede se mostra definitivamente uma personagem “made in” irascível. Com efeito, trata-se de uma personagem incompreendida filosoficamente. De fato, não é no próprio seio familiar que transpira o preconceito popular contra a inutilidade dos estudos de filosofia e da formação filosófica? Sapecou-lhe o irmão mais velho: “A Filosofia certificou-lhe vagabundo!”. Mas Mânfrede está além dessas picuinhas pseudo-intelectuais. A sua equidistância do mundo do trabalho não se deve a nenhum não-enquadramento seu à moralidade que dá suporte ao sistema de exploração do homem sobre o homem. Diversamente, o seu distanciamento do mundo do trabalho é uma função de sua caçada implacável aos motivos espúrios que regem o selo de qualidade “made in” de produtos. Foi caçando esses selos de qualidades das origens de produtos que esta personagem formou a sua compreensão sobre o mundo do trabalho. Ou será que ela está aquém das tais picuinhas intelectuais? Será que o seu suicídio resultou das pressões exercidas pelos preconceitos anti-filosóficos que sofrera até mesmo em casa? “Por que teria se enforcado, meu deus?”, exclamou a mãe. Em se tratando de motivo-morte, ele o deixou escrito com sangue: “Como acreditar num mundo que tem como epitáfio Laborum meta?”. Decerto, ele é incorrigivelmente um herdeiro radical de Paul Lafargue. Com a diferença de que – diversamente do genro de Karl Marx – ele não fez o elogio discursivo da preguiça. Ele a usufruía. Domesticamente.
              Há, ainda, malha de ficção no conto intitulado “O dia que comi como o faz um rico”. No dia em que Bino comeu como só um rico é capaz de comer ele realizou um desejo recalcado de infância. Embora ele não gostasse de comer peixe com espinha e odiasse o cheiro de pitiú que os peixes têm, há malha de ficção até na culinária amazônica. Seu pai, que fora peixeiro, havia-lhe encucado uma regra da culinária moral amazônica. Trata-se daquela pecha de que “comer peixe sem espinha é uma frescura”. Coisa de gente rica! Coisa de japonês! Então, Bino, que não ficou milionário, comeu como se fosse um rico. Quer dizer, ele “desespinhaçou” o peixe e comeu somente a carne branca e macia dele. Quem sabe não haja nesse gesto de Bino, de comer como só um rico é capaz de o fazer, uma pulsão burguesa recôndita comprimida em sua alma pequeno-burguesa explícita!
           Já o conto que dá título ao e-book aqui resenhado analiticamente é “O estouro da artéria de um cavalo húngaro”. Lino, o protagonista deste conto em epígrafe, explicita, desde logo, a essência estética de seu “metier” literário. “Minha literatura será o estouro da artéria de um cavalo húngaro jorrando sangue com vodca russa na cara dos meus contemporâneos”, assacou Lino, como se tivesse comentando na orelha de seu próprio livro ainda por ser feito. Afinal, ele não queria ser um pipoqueiro a escrever sobre o amor, sobre as pipocas ou sobre os palhaços. Não obstante, o ponto esteticamente altissonante desse novel estilo literário é a sua malha de ficção que chamamos realidade! Quer dizer, as malhas da ficção que produzem o tecido de realidade revolveu toda a determinação tomada por Lino. Ele foi levado pelas forças que produzem esse tecido de realidade a superar a pertinência dos subumanos à esfera do amor de desintegração e constituir, em limites sobre-humanos, um umbral de amor de compartilhamento. Eis a proposição cantada pelo coro trágico: “O amor de desintegração somente pode se transmutar em amor de compartilhamento quando a tragédia cumpre o seu papel mediador”. Em suma, as malhas da ficção cumpriram, mais uma vez, o seu desiderato implacável. Foi necessário que thysanura fosse sacrificada por Lino para que ontologicamente o livro se tornasse realidade e o amor se impusesse em toda a plenitude sub especie aeternitate. Justo para ele que não acreditava no amor!
             No âmbito estético do conto intitulado “O gozo sem vida de Joana”, o papel das malhas de ficção na produção de realidade é sumaríssimo. Ele é conversível em sentenças protocolares do tipo: “Quando os Raimundos vivos não dão no coro de suas Joanas, os Josés da vida além-cerca-caseira fazem as borboletas multicoloridas dessas colecionadoras vorazes, voarem em espiral aquarelada das entranhas dessas Joanas em gozo feito um arco-íris de prazer”. Ou, então, esse papel exercido pelas malhas de ficção pode ser convertido nesta outra máxima: “Quando os Raimundos mortos não prestam mais nem para motivar a pulação de cerca de suas Joanas, aí, meu irmão, das entranhas dessas colecionadoras vorazes de panapanã se esvoaçarão apenas uma espiral de borboletas em aquarela de sangue”. Em outras palavras, essas Joanas apenas gozarão. Elas ainda ejacularão borboletas em espiral. Mas sem vida! 
        “Óculos do vô Tico” é o título de um conto-poema ou um poema-conto? Nunca saberemos. Ou, inversamente, será que virá o dia em que nos apropriaremos dessa sabença? Afinal, não é esse o papel das malhas de ficção na produção de realidade? Decerto, os óculos de vô Tico são ambifocais. Poderiam, pois, muito bem, visualizar os dois formatos dessa escritura. Como um tabelião das letras, vô Tico poderia muito bem chancelar, com seus óculos ambifocais, esses dois formatos do mesmo texto literário. Por que não? Afinal, no “tempo da transmutação” seus óculos ambifocais não veem “nada além de uma linda ilusão”. Contanto que, nas malhas da ficção, a realidade seja produzida como sendo “nada além, nada além de uma ilusão”. Quem sabe, não foi, por isso, que o contista-poeta ou poeta-contista – contrariando a inscrição na lápide de vô Tico que rezava: “Epígrafe é a citação no começo da obra” – deslocou-a para o final do texto?
             O conto “O tabelião dela” configura um repto da eterna repetição ou do eterno retorno. A rotina da vida é, todo o dia, a mesma lenga-lenga. “Reconheço e dou fé por verdadeiros a firma do fulano. Tabelião de Ofícios. Carimbo e assino. E novamente. Reconheço e ...”. Mais um dia e lá vem a mesma lenga-lenga. “Reconheço e ...”. E todos os dias é a mesma coisa. Tudo é só uma eterna repetição. Mas tudo é, também, um eterno retorno. Até que o tabelião descobre, certo dia, que ela parece estar indo embora. Ora! Não dizem que um dia ou outro ela vai embora? Foi desse jeito que ela se foi. Em um dia qualquer, quando o País andava mergulhado em greves e crises econômicas, Adolfo teve que chancelar a ida embora dela. “Reconheço e dou fé ...”.
            O conto intitulado “439” relata uma esquizo-experiência daquelas que ocorrem todos os dias no mundo periférico de regiões metropolitanas. De fato, todos os dias alguém pira no meio do povão. Nesse conto, algum anônimo popular pira no transcurso de um busão da linha 439. Quem não piraria nesse verdadeiro inferno viário coletivo público que são os busões? 
Tem gente que acha que vitamina C serve pra tudo. Serve pra gripe. Serve pra estômago. Serve até pra diarreia! No conto “Vitamina C”, ela ganha uma nova função terapêutica. “Uma coisa ficou certa. Ela trazia uma conciliação, mesmo que inconciliável”.
              Dizem que o menino é o pai do homem. A história de Pedrinho confirma essa máxima popular. Foi em criança que ele definiu frente ao pai o que ele queria ser quando crescesse. No conto “O pintor”, Pedrinho diz pra mãe que já sabe o que quer ser quando crescer. Ele vai ser pintor de gente morta. Se ele vai dispor seus talentos profissionais e artísticos para mecenas, Papas ou IML,s tanto faz. É o menino que define o homem.
Esta é, pois, uma obra que já nasce em grande estilo.
            O resenhista espera que os leitores dela se equivalham à dimensão estética e estilística que ela apresenta Livro novo. Escritor brilhante Panteão literário. É este o universo composto por essas grandezas que envolvem o jovem literato Thiago Roney  e o seu primogênito das letras O estouro da artéria de um cavalo húngaro.

Luiz Carvalho, filósofo e escritor amazônico.

Fotos do lançamento, por Júlio Lira.

















sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Resenha, por Ribamar Mitoso.

            A doença do mundo, Afetuosos teoremas de Martín, O caçador de made in's, O dia que comi como o faz um rico, O estouro da artéria de um cavalo húngaro, O gozo sem vida de Joana, Óculos de vô Tico, O tabelião dela, 439, Vitamina C, O Pintor e O jogo ou como cortar uma faca com outra faca são os contos que compõem este livro e este ebook.
             Thiago Roney , o autor, pertence a uma geração de autores Amazônicos que começou a escrever nos anos 2000. Traz consigo, portanto, uma razoável tradição narrativa Amazônica: a literatura épica que registrou o confronto de raças no século XVII e XVIII, a literatura realista-naturalista que ficcionou a tragédia do confronto de classes nos seringais do século XIX, a literatura modernista que recuperou a literatura oral dos povos indígenas, o neorealismo com a secura trágica do extrativismo pós- segunda guerra, o realismo-cômico-fantástico dos anos 70 e o realismo- cômico-fantástico- absurdo-sujo , em primeira pessoa, da minha geração 80/90.

        Thiago não se perde nem no fantástico, nem no mágico, nem no maravilhoso das narrativas modernistas , inspiradas na tradição oral. Sua questão é registar o real , mesmo o absurdo, de uma cidade como Manaus, e com uma precisão quase matética do professor de equações e números. 
           É dentro desta história social e estilística da Amazônia que teremos que lê-lo. Não mais como um autor da Amazônia rural e ribeirinha, mas como um louco criativo da sandice de viver numa cidade com o terceiro maior PIB e o vigésimo sétimo IDH entre as capitais brasileiras.

        

José Ribamar Mitoso é Escritor,Dramaturgo,Professor da Universidade Federal do Amazonas, Pós-Graduado em Projetos Culturais (FGV), Especialista em Estética e Filosofia da Arte (USP) e Mestre MSC em Literatura Amazônica ( UFAM ).

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Apresentação, por Arcângelo Ferreira.

O estouro da artéria de um cavalo húngaro é livro inaugural de um jovem escritor engajado com o mundo. É oportuno lembrar que Thiago Roney fez seus primeiros ensaios através de um fanzine, Claraboia. Neste, por sinal, publicou dois contos que reúne no conjunto de narrativas que o leitor agora tem em suas mãos. O exercício da escrita que vem desenvolvendo desde os tempos do primeiro número de “Clara” (como nós costumamos chamar carinhosamente) fez com que ele apresente ao leitor um livro mais amadurecido. O que era, por vezes, radical e direto, agora ficou mais, labiríntico e inaudito. Por isso, através de sua prosa de ficção, deixa evidente que Literatura é segredo à espera da decifração do leitor intrigado.
     Nos enredos que o leitor está preste a ler é perceptível uma preocupação com o insólito. Estruturadas numa concepção de tempo não linear, as narrativas inscrevem um ritmo ilógico revelando, assim, que a vida é um absurdo. Por isso, na urdidura dos onze contos há um amálgama, a representação da loucura. A loucura, com efeito, como o autor deixa enunciado de forma subsumida, é o testamento do fracasso da ordem social que arma e amarra a realidade. Nessa acepção, os personagens neuróticos que pululam das intrigas que açulam o leitor atento acabam por revelar uma verdade, previamente posta na epígrafe do livro.
      Nessa medida, considerando que a realidade também representa um texto a ser lido, decifrado e manipulado pelo escritor, há acurada utilização da metalinguagem, principalmente no conto que leva o título do livro. Aqui o escritor – personagem e sujeito histórico – mostra como se processou a feitura d’O estouro da artéria de um cavalo húngaro, relacionando, com efeito, ficção e realidade, numa tessitura em que se envolvem aspirações do narrador-personagem e autor real.
     Partimos do pressuposto que um livro é fruto e produto do tempo e para ser bem decifrado é imprescindível à relação dialógica entre o tempo do autor e o tempo do enunciado. Por isso, os personagens inerentes às tramas representam a subjetividade do autor. Ora, as máscaras alegóricas despontam das angústias. Marcas afloradas da vida cotidiana. Destas o autor extrai os motivos para urdir os seus contos. Aqui, o cotidiano inspira a trama. A trama deflagra a vida.
    Não posso deixar de mencionar o tom criativo pelo qual o Thiago Roney pensa e produz seus enredos. Como a vida, já dissemos linhas acima, as tramas revelam rupturas nas contexturas descontínuas. Numa escrita que revela vontade de potência. Onde o leitor escuta o estrondo da pulsão e de toda a neurose presente nas artérias de um noviço escritor que recolhe das silhuetas da vida poesias que se transmutam, através de suas narrativas, em prosa.
   Caro leitor você está convidado a entrar nesses bosques onde o autor, degustando os cogumelos da realidade fez de seus contos experiências alucinógenas.

Arcângelo da Silva Ferreira é mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia, professor universitário da rede privada de ensino, escritor alternativo, colaborador do fanzine Claraboia e coautor do livro História, cidade e sociabilidade.